Psicóloga Perita do Trânsito fala sobre prevenção de acidentes

Folha Itaocarense entrevistou a Drª Erlane Ventura, pós-graduada em Psicologia do Trânsito e Psicologia Positiva
(Foto: Arquivo/ Folha Itaocarense)
   Nascida no Rio de Janeiro, mas morando em Aperibé faz 18 anos, a Psicóloga, pós-graduada em Psicologia do Trânsito e Psicologia Positiva, Drª Erlane Ventura, conversou com a Folha Itaocarense em maio deste ano sobre a prevenção de acidentes de trânsito. Para a especialista, a educação no trânsito, desde a pré-escola, é a melhor medida para a redução real do número de acidentes. 

Confira a entrevista completa: 

Folha Itaocarense: Todos os anos ocorrem em maio, por conta do Maio Amarelo, e em setembro, por conta da Semana Nacional de Trânsito, diversas campanhas de conscientização na internet, nos veículos de comunicação e até nas ruas com as blitzes educativas. Acha que essas campanhas dão um bom resultado? 

Drª Erlane: Dariam mais, caso não fossem em um período específico do ano. Por exemplo, você sabe o objetivo do Maio Amarelo? O Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), em 2009, estipulou uma década, que está se encerrando agora, para se trabalhar maciçamente em cima disso e observar a redução dos custos de acidentes. O Maio Amarelo surgiu com um só propósito: chamar a atenção da população, para o alto número de mortos e feridos, em acidentes de trânsito em todo o mundo. Então por que em maio? Porque a ONU decretou, em maio de 2009, uma década para trabalhar com a prevenção de acidentes de trânsito. E por que amarelo? Porque a cor amarela simboliza... "passa rápido que dá tempo!" Na verdade, o amarelo seria de advertência, mas não é essa a ideia que a maioria dos brasileiros têm? 

Ou seja, não era apenas o mês de maio. Era uma década inteira, que está fechando em 2019. 

Folha Itaocarense: Em sua opinião e com sua experiência, quais seriam as melhores medidas para a redução real do número de acidentes em nossa região? 

Drª Erlane: Não só na nossa região, mas também para todos os locais, seria a questão da educação no trânsito desde cedo, porque o próprio Código de Trânsito Brasileiro, no seu artigo 76, estabelece a educação para o trânsito na pré-escola. Então, olha como o assunto é abrangente. Nós estamos falando de ensinar matemática, e ao mesmo tempo alfabetizar a criança na pré-escola, e educa-la também para o trânsito. Isso já é lei. O CTB estabelece isso: que a educação para o trânsito deve ser promovida da pré-escola até o 3º grau, até na faculdade. Se a gente começasse com questão da educação no trânsito e se o ser humano se conscientizasse do quão é importante é o trânsito, e ter essa educação, muitos acidentes seriam evitados. 

Por exemplo, acompanhei um debate de que para acabar com os acidentes na Serrinha, a solução seria um quebra-molas. Aí pergunto: um quebra-molas vai acabar com os acidentes na Serrinha e em qualquer outro lugar? Não vai passar correndo em cima, dando "cavalo de pau"? 

Folha Itaocarense: Mas e os radares? 

Drª Erlane: Vai acabar reduzindo, paliativamente. Naquele trecho ali [da Serrinha], se eu sei que tem um radar ou um redutor de velocidade, vou diminuir, mas passando dali eu vou acelerar novamente. Então o radar ou o quebra-molas que vai resolver acidentes? O que resolve é criar consciência de que tenho uma arma em potencial nas mãos. 

O trânsito começa quando a gente coloca o nosso pé para fora de casa. Então, quando eu saio para o meu trabalho, e você da sua casa, já é trânsito. Nós já estamos no trânsito. Tem que se ter uma conscientização sobre isso, mas as pessoas não têm. As pessoas querem adquirir um veículo e testar a potência dele até onde pode. 

Folha Itaocarense: Além das campanhas, é comum a gente escutar pessoas comentarem que em cidade "B" o povo é mais educado e acontecem menos acidentes. Existe alguma relação entre a educação do motorista e o índice de acidentes, ou é mito? 

Drª Erlane: Grau de instrução nem tanto, mas vou te mostrar um exemplo: o Sul. Vou te amostrar uma pesquisa recente que eu peguei para trazer. Você não vê o Sul com tanta questão de acidente como o Norte e Nordeste. De 2009 a 2018, as interações por acidentes cresceram 33% no Brasil. No Tocantins saiu de 60 internações para 1.348 em 2018, um aumento de 2.147%. Seguido por Pernambuco, com salto de 725% na última década. 

Em Gramado (RS), não tem semáforo. Você sonhou em colocar o pé na faixa de pedestres para atravessar a rua, o trânsito para. Petrópolis é quase assim. As pessoas respeitam os pedestres. Agora já tentou atravessar a faixa de pedestre sem sinal em Itaocara, Aperibé ou Pádua? É quase atropelado. Isso quando o pedestre não passa desfilando. O pedestre também precisa se conscientizar que ele tem um papel fundamental no trânsito. Qual o meu papel como pedestre? Atravessar na faixa e, em cidades maiores, também nas passarelas. 

Folha Itaocarense: É uma educação familiar? 

Drª Erlane: Sim. Principalmente de família. Porque eu vou ensinar o meu filho se ele deve usar o cinto de segurança, se eu também uso. Então, se eu entrei no meu carro e passei o cinto, e peço para todos passarem o cinto, essa criança, automaticamente, vai crescer tendo a consciência de que o cinco de segurança é essencial. 

Não tem a ver com grau de escolaridade ou com cidade A, B ou C. Até porque o trânsito somos nós. Eu, enquanto ser humano tenho que saber qual é o meu papel no trânsito. E é o que as pessoas não têm [consciência]. Porque já se criou uma cultura totalmente errada. E é essa briga que a gente tá tentando acabar com ela. O trabalho [de educação do trânsito e conscientização] nas escolas seria fundamental. Uma pena que não se vê tanto. 

Folha Itaocarense: Na nossa região também é comum, em caso de acidentes, populares tentarem ajudar as vítimas e autoridades a retirar os veículos envolvidos do local, para liberar o trânsito. Parece ser uma ação por impulso. Isso atrapalha mais do que ajuda? 

Drª Erlane: Sim. Atrapalha mais do que ajuda. E às vezes pegam a moto, não para liberar o trânsito, mas tirar a moto, porque o veículo está com documento irregular, ou o condutor não é habilitado. Então a pessoa acaba contribuindo para desconfigurar todo esse problema. A gente sabe disso, porque acontece na nossa região. 

Aí vai a pergunta: o que era mais importante para o cidadão ali naquela hora? Não era a vida? Primeiramente ele teria que ter a consciência de que, para estar no trânsito, ele teria que estar habilitado e preparado, com o carro ou a moto em situações regulares, para poder andar. Então você consegue entender que tudo é um círculo, que gira em torno da educação e da conscientização das pessoas? 

Folha Itaocarense: Qual seria a verdadeira ajuda que algum popular poderia prestar ao se deparar com um acidente de trânsito? 

Drª Erlane: Antes de tudo, é ter o autocontrole da situação. Se eu não estou envolvida naquele acidente diretamente, mas eu me envolvo indiretamente, desde o momento em que eu paro para prestar o socorro, para ver o que realmente está acontecendo, e se posso ajudar. E não ir pelo impulso da curiosidade. A primeira coisa que a gente deve fazer, e que é o lógico, é acionar o Corpo de Bombeiros. Também não se deve mexer nas pessoas, sem saber se tem alguma fratura. Se não tem como ajudar, não atrapalhe. 

Folha Itaocarense: Nas campanhas, sempre vemos que dirigir com sono ou cansado pode elevar o risco de acidentes. Há outros fatores mentais e psicológicos que elevam esse risco? Como evitá-los? 

Drª Erlane: A maneira de evitá-los é saber que tenho que me conhecer. Se eu sei que estou bem, então, primeiramente, eu tenho que ter a consciência. A gente sempre vai bater nessa tecla: consciência. A gente precisa ser consciente dos nossos atos. Então, eu tenho que ter consciência, se eu tenho condições para viajar. Se eu estou passando por algum problema na minha vida, que pode atrapalhar essa minha concentração no trânsito. E você tendo algum problema que lhe perturbe ao ponto de tirar sua concentração, isso vai atingir o dirigir. Gerar dispersão. Tirar a atenção. 

Folha Itaocarense: Pode dar um exemplo?

Drª Erlane: São vários fatores potencializadores de acidente, como a ansiedade. Hoje está se falando muito em ansiedade. Então se precisar fazer um trajeto longo e não está bem, não faça! Pega um Uber, pega um táxi, vai de ônibus... De qualquer coisa. Mas não saia dirigindo! Eu preciso ter essa consciência, preciso me conhecer. Preciso saber se estou bem pra dirigir. Na dúvida é melhor a prudência. 

Folha Itaocarense: Tem gente que gosta de viajar para "espairecer", porque o senso comum diz que viajar tira a ansiedade e desestressa. Então no caso é um perigo? 

Drª Erlane: Se estou em uma crise de ansiedade, se surgiu um gatilho para desencadear essa crise, será que só no dirigir, vou espairecer e melhorar minha cabeça? Creio que não. Posso é causar um acidente. Lógico que existem situações e situações. Tem gente que gosta de dirigir. Eu estou bem. Se eu estou bem, no domingo à tarde eu vou a Miracema, vou à festa, vou dirigindo com a família... 

Folha Itaocarense: Em caso de acidentes, sabemos que existem seguros que cobrem despesas das vítimas e dos veículos danificados. O SUS também cobre as despesas das vítimas, dos feridos. Mas quando o caso é grave, envolvendo até mortes ou invalidez, há algum programa gratuito para assistir psicologicamente os familiares destas vítimas? Como eles podem proceder para obter ajuda psicológica? 

Drª Erlane: Não se tem um lugar, infelizmente, para atender. Existem algumas faculdades, como a Celso Lisboa, que estava montando um laboratório para poder atender vítimas pós-traumatizadas, tanto para quem sofreu o acidente, quanto para a família. Uma coisa importante é entender, que quando uma pessoa sofre acidente, sofre toda a família. Então essa família deveria ser assistida. Mas não se têm lugares, a não ser que se procure atendimento psicológico que o SUS ofereça. 

Folha Itaocarense: Há pessoas que após um acidente ficam traumatizadas e evitam a todo custo pegar na direção de um veículo, ou mesmo entrar em um. Para superar esses traumas, o que e a quem essas pessoas podem recorrer? 

Drª Erlane: Posso afirmar que eu faço esse trabalho e existem profissionais da área da psicologia, que fazem atendimento direcionado para pessoas que toda vida dirigiram, sofrem um acidente e interrompem. Existem profissionais que fazem esse atendimento, tanto na parte clínica, quanto na parte prática. Aqui, na nossa região, eu não sei. Mas na cidade do Rio, existem autoescolas que oferecem esse serviço, voltado a pessoas que já tem habilitação e não conseguem dirigir por medo. É um trabalho bem legal e gratificante, ver a pessoa conseguir dominar esse medo e voltar novamente. Isso acontece. 

Folha Itaocarense: Outra situação comum em caso de acidentes, é a aglomeração de curiosos e aqueles que parecem se entreter, observando vítimas mutiladas. Uns até filmam, por mero entretenimento. A Psicologia explica esse fenômeno? Quais as consequências e como evitar esse ato imoral? 

Drª Erlane: Precisamos discutir a questão da minha índole, como ser humano. Se tenho uma índole, vamos dizer, dentro da normalidade, do padrão que se deve ter como ser humano, eu não vou ter prazer, nem me entreter com um acidente, com uma pessoa mutilada. Se isso acontece, a pessoa possuí alguma disfunção. Esse indivíduo não está funcional. Ele está em algum momento em que, se você for pesquisar, e conhecer o histórico dessa pessoa, vai ter alguma coisa sinalizando para ter esse comportamento. Porque isso não é um comportamento adequado e aceitável, de que alguém tenha prazer em se entreter de um acidente. 

A curiosidade é algo normal do ser humano. Ok. Eu sou curiosa. Mas a minha curiosidade também tem que ter limite. Então eu sou curiosa, mas até que ponto pode ir a minha curiosidade? O que está acontecendo hoje em dia, é que o ser humano acha que tudo é permissível. E não! Não é tudo permissível. 

   Drª Erlane Ventura é Psicóloga Perita do Trânsito na clínica médico-psicológica (Auto Clínica Santo Antônio) do Detran-RJ, em Santo Antônio de Pádua. Atende na Clínica Integra Saúde, também em Pádua, e em seu consultório, na Rua Francisco Marinho Filho, em Aperibé, com abordagem na Terapia Cognitiva Comportamental para crianças, adolescentes e adultos. Além disso, atua como Coaching para orientação vocacional e profissional e ainda com Avaliações Psicológicas-Psicossocial para atendimento de normas regulamentadoras (NRs 10, 20, 29, 33, 35 e 36).

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